Um discurso polifónico à volta do teatro universitárioTerça, 26 de Junho de 2012
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De 10 a 14 de julho vai-se realizar a 1ª Mostra de Teatro Universitário no TAGV, com os grupos da cidade. Juntámos seis vozes dos quatro grupos: Joana Santos (TEUC), Anabela Ribeiro e Patrícia Antunes (CITAC), Sara Leitão e Catarina Alves (GEFAC) e Nélson Ferreira (Thíasos). Uma conversa à volta do teatro universitário em Coimbra, das suas dificuldades, dos seus anseios e das suas especificidades. Um discurso polifónico de quem faz do teatro suor. Por João Gaspar
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Um discurso polifónico de quem faz do teatro suor Foto por Carlota Rebelo
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Olhares à volta do teatro universitário por quem o vive ou viveu
Onde é que fica o teatro universitário? É amador ou pré-profissional?
Joana – O teatro universitário está no meio do que é o teatro amador e o profissional. Não temos este lado amador de fazermos quando queremos, mas acaba por não ser profissional porque os actores não recebem dinheiro.
Anabela – O Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC) é como o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), nesses termos. Não é o profissional, mas também não é amador na medida em que tenta ser profissional pelo rigor que apresenta. Acho que já é o próximo passo para o profissional. É o comprometer e fazer.
Nélson – No caso do Thíasos, à partida, considerar-nos-íamos amadores - nenhum de nós é pago. Mas também temos uma preocupação com o rigor. O Thíasos, acima de tudo, serve como formação para quem lá passa.
Catarina – No caso do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), é diferente porque não é um grupo de teatro, ao contrário dos outros aqui presentes. O grande objectivo do GEFAC é dedicar-se ao estudo e divulgação da cultura popular portuguesa e fazemo-lo em várias vertentes. No que diz respeito ao teatro, temos a mesma preocupação em seguir uma linha rigorosa. Mas, se tivesse que nos definir não andaríamos muito longe do amador, porque temos ao mesmo tempo muitas das características dos amadores. Desde logo, o voluntarismo, a descoberta em equipa, um desenvolvimento a partir da experiência que vamos tendo, e nesse domínio somos claramente amadores dramáticos. [risos]
Sara – O que caracteriza o teatro universitário é esta componente formativa de que o Nélson estava a falar, esta obrigação de chegarmos aos estudantes e educá-los para o teatro, mas por outro lado este experimentalismo que é transversal. O ser amador dá-nos essa liberdade de errar e de fazer disparates a torto e a direito.
Joana – Até porque não é uma escola apenas de actores. É uma escola de encenadores, de técnicos, de pessoas.
Anabela – Ninguém tem uma formação específica. Pode-se trabalhar com grupos heterogéneos, que traz muita coisa diferente.
Sara – Uma escola do faz tudo.
É complicado manter o compromisso de ter uma programação regular?
Nelson – Para o nosso grupo é muito complicado. E a maior parte das limitações não são técnicas, mas sim de tempo - questões de disponibilidade imediata ou incondicional, porque neste âmbito é complicado ter esse tipo de disponibilidade.
Patrícia – Na parte do CITAC diria o mesmo. Temos todos os nossos cursos, há quem trabalhe, temos os nossos ensaios diários, temos trabalho de produção, de direcção, testes, exames... Às vezes não há tempo para tudo.
Catarina – Óbvio que às vezes é mais complicado, porque os grupos cada vez têm menos gente [todos acenam]. Parte das pessoas que entram têm alguma dificuldade em assumir o compromisso de ter que estar. Eu sinto que às vezes isso afasta algumas pessoas do grupo…
Joana – Às vezes assusta! Não são só aquelas quatro horas de ensaio para fazer teatro. Se for preciso limpar o chão, limpa-se o chão, se for preciso fazer um relatório de contas, faz-se um relatório de contas. É um trabalho que ninguém vê mas é necessário.
Anabela – Fazemos tudo!
Notam que há cada vez menos gente a querer participar neste tipo de grupos?
Anabela – Sim, e mesmo que entrem com aquele fascínio de fazerem um curso de teatro, quando se apercebem que têm que ficar e que também têm que tratar de coisas burocráticas e chatas…
Patrícia – Saem logo.
Anabela – Fica quem quer mesmo.
Joana – No meu curso de formação, o exercício final eram 15 pessoas, ficaram quatro para fazer direcção. Às vezes nem é uma questão de não quero. É acabarem o curso e terem que ir para a sua cidade.
Anabela – Os jovens querem passar rapidamente de uma coisa para outra.
Alguém daqui quer viver do teatro, ou encaram isto como um passatempo?
Sara – Não é uma coisa que é dispensável nas nossas vidas. Acho que nenhum de nós dispensa deste tempo… Há outras áreas da minha vida em que me quero focar, mas espero nunca abdicar desta actividade.
Joana – O meu futuro ainda está indefinido, portanto…
Anabela – Uma pessoa gostava de investir mas Portugal não deixa… É complicadíssimo.
O fluxo natural de pessoas em Coimbra é benéfica para os grupos?
Catarina – Às vezes, é muito complicado.
Joana – É assustador.
Catarina – Temos uma equipa sólida, consistente e de repente desaparece. E ficamos só com cinco pessoas, muito mais limitados - temos que readaptar tudo. É muito importante nestes grupos haver essas pessoas que vão assegurando uma continuidade e uma transmissão de uma cultura, uma identidade.
Joana – Mas é benéfico no sentido de que não fica estagnado. Não há vícios. É sempre positivo quando entram novas pessoas, com novas ideias, com um espírito diferente.
Anabela – Essa fase de transição é que é mais difícil. Quem se quer ir embora não deve desaparecer. Uma pessoa entra, vai seguindo os passos, mas é preciso alguém que já tenha estado lá…
Sara – A rotatividade é essencial ao teatro universitário. É uma característica sua! Teremos sempre que viver com ela, dá dinamismo.
Catarina – É um jogo - uma tensão entre haver quem assegure a continuidade e quem dê renovação.
Sara - E é giro como é que com tanta rotatividade todo o grupo mantém a sua cultura e identidade. As pessoas mudam, mas há claramente uma identidade que fica de geração em geração.
Quais é que são as maiores dificuldades no teatro universitário?
[silêncio]
Que silêncio…
Catarina – Financiamento, que é transversal a toda a cultura portuguesa. Infelizmente, estamos numa época em que se entende que a cultura é algo em que não vale a pena investir. E obviamente que o financiamento é importante para tudo, para fazer produções novas, para fazer cenários, para transportes, para figurinos. Somos obrigados a ter muita criatividade para fazer muito com pouco.
Nelson – Temos que dar azo à criatividade, mas a criatividade não consegue criar uma lâmpada de um projector ou arranjar uma coluna. Às vezes somos muito criativos, mas não chega.
Joana – Também sentimos o problema do financiamento. Mas também temos muitos problemas com as infra-estruturas. No sítio onde estamos, nem sempre sentimos que é acarinhado por pessoas que coabitam nesta associação. Acho que às vezes há um desrespeito pelos organismos que estão na associação. Tornou-se num bar, numa discoteca, já não é dos estudantes, é dos frequentadores do bar…
Sara – É dos que pagam.
Joana – Num dia de ensaio, chegamos e temos a porta arrombada, ou vómito à frente da porta, a música do bar começar às 23h00 e nós com ensaio até à meia-noite.
Sentem-se desrespeitados?
Nelson – Falta respeito de quem devia ter respeito.
Dos próprios estudantes?
Nélson – Pelo menos não connosco. Principalmente das pessoas que beneficiam da actividade estudantil. Beneficiam desta imagem que estas associações têm e transmitem. Eu da parte dos estudantes não posso apontar qualquer tipo de desrespeito…
Sara – Por parte dos estudantes há indiferença…
Anabela – Não fazem ideia, é ignorância. Há pessoas que sobem aquelas escadas todos os dias e ainda me perguntam onde é o CITAC. Não querem saber….
Joana –O desrespeito vem das pessoas que estão à frente da Associação. Da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra (AAC), da parte da cultura, ligam-nos a perguntar: “daqui a uma semana podem apresentar um teatrinho?”. [risos]
Patrícia – No CITAC isso também acontece. Também já nos ligaram a dizer “temos um evento com crianças ou idosos, podem ir lá fazer umas coisas para animar?”.
Joana – Os estudantes nem lhes aponto o dedo, agora quem se põe à frente de uma organização é que se deveria responsabilizar dalguma forma…
Catarina – O próprio meio também favorece o distanciamento. Se nós chegámos aos jardins da AAC um dia e passamos por uma lata insuflável duma marca de cerveja, com um boneco em cima, um ecrã a passar imagens de não sei o quê, depois dois carros no meio da relva, depois ao lado direito temos um lençol a fazer publicidade ao licor nacional, na sala de estudo há anúncios a tapar a sala! Na sala de estudo! Depois o Intocha a bombar música. Isto é uma associação vocacionada para a cultura?
Anabela – Isto é uma associação que já não é para estudantes. É para a diversão.
Sara – O desrespeito não é só dirigido à cultura…
Catarina - É um espaço descaracterizado. Já não é uma casa das secções que estão cá dentro. Já é uma casa ambientada para uma exploração comercial deste espaço. Quem procura a associação procura para sair à noite, para beber uns copos, ver uns jogos de futebol.
Anabela – Para ver uns jogos e o edifício fica vazio.
Catarina – Deixou de ser uma casa de múltiplas disciplinas e saberes, para ser uma experiência limitada e efémera, de que não se lembram no dia a seguir… [risos].
Patrícia – É muito estimulado este lado da bebida, música e discoteca. Fica descurado o resto. O que é que se passa aqui em cima? O que é que há?
Joana – Nós somos o caminho para a casa de banho. [risos]
Nelson – As pessoas que chegam cá e não têm qualquer tipo de predisposição para este tipo de actividade, dificilmente vêem uma porta a dizer TEUC, CITAC… e outra a dizer bar da associação, dificilmente escolhem o TEUC ou o CITAC.
Catarina – E temos dificuldades de fazer passar a mensagem. Há tanta publicidade, tanta coisa, que temos problemas de divulgação com os meios tradicionais que temos. Vale a pena fazermos cartazes ainda? Mailing list? Publicidade direccionada? Facebook? Mas cada vez mais quem vem às nossas iniciativas é quem está interessado e procura.
Joana – Acaba por ser um círculo de pessoas que já se conhecem.
A própria descaracterização do espaço pode levar uma diminuição do público. Dantes enchiam-se o Teatro Avenida, os jardins… Notam que há menos público agora?
Catarina - Não é de haver menos públicos…
Sara – Mas são sempre os mesmos.
Catarina – Os suspeitos do costume. [todos concordam]
Nelson – Quando vamos ver qualquer espectáculo, nem precisa de ser de teatro universitário, estão lá sempre as mesmas pessoas na bancada… Há que mostrar que vale a pena ver outro tipo de actividades. Mas é muito difícil. O Thíasos vai à Bobadela (Oliveira do Hospital), e tem 200 pessoas, e depois vamos aqui ao Museu Machado de Castro e juntamos 50, que estavam já programadas. Tínhamos cartazes, facebook… tudo… mas é isto que acontece.
Catarina – Acho que é um fenómeno social geral. Há uma desintegração das pessoas, de menos participação em geral, menos participação na vida cívica, política…
Nelson – Porque a própria tecnocracia apropriou-se da academia. Fazem um curso técnico, com uma função muito específica, mais do que isso é um desvio, é uma perda de tempo. E se fizermos o paralelo com países que achamos exemplos, como a Alemanha ou o Reino Unido, queremos ser competitivos em relação a eles, e vemos que eles têm um investimento percentual muito maior neste tipo de formação e actividades…
Catarina – E é prestigiante pertencer a estas actividades. É valorizado. E aqui não. É excêntrico.
Em jeito de provocação, porque vale a pena participar e ver teatro universitário?
Patrícia – Por tudo! Estamos continuamente a aprender. Aprendemos enquanto actores, aprendemos na técnica, na produção, aprendemos a gerirmo-nos enquanto grupo, conhecemos gente, aprendemos a resolver situações. Temos situações para resolver, reunimo-nos e resolvemos. Isto não acontece se estamos por casa e vamos ao nosso cursinho… As pessoas devem estar integradas em actividades deste género. Desenvolve-se muita coisa a nível pessoal.
Joana – Aprendemos a ter lata, se não foi um sim da primeira vez, vamos à procura dele…
Nelson – Talvez aprendem-se competências que não são imediatas. Se olharmos para como éramos há 2 ou 3 anos atrás, como agíamos, como falávamos em público. Como interagíamos com o outro, como estávamos em público, como estávamos sempre desconfortáveis… E no teatro perde-se o desconforto, desconforto para com nós mesmos… E isso é tão importante!
Anabela – Também perceber que todos temos potencial para criar alguma coisa e há aquele preconceito: uma pessoa parece que cresce com medo de fazer alguma coisa. Além de puxar esse lado pessoal, puxa esse lado criativo que todos temos e que precisamos de ter.
Sara – Aqui há a possibilidade de qualquer pessoa criar uma ideia que tem. E isso, se calhar, não encontramos no mundo profissional - essa possibilidade de criar.
Catarina – Há uma liberdade que se pode experimentar aqui que é muito difícil de ter em qualquer outro contexto. Que não se tem com amigos, famílias, e que seguramente não se terá na universidade ou no local de trabalho. Há aqui uma liberdade de expressão, de criatividade, uma procura de outras dimensões nossas até, que dificilmente encontramos noutro contexto.
Joana – E se o teatro se dirige a um público de estudantes também reflecte no público a possibilidade nesse público de que também eles são capazes de desenvolver alguma coisa.
Catarina - A dimensão pessoal é muito importante. São os amigos que se fazem, os sítios a que se vai, são as experiências que se têm, que dificilmente teríamos doutra forma, que não naquele contexto. E é muito gratificante.
Sara – Falta falar um bocadinho de porque é que o público deve vir ver o teatro universitário. Porque acho que isso tem que ficar lá bem chapado [risos]. Acho que é uma oportunidade de verem teatro que pode ser mais arrojado e mais genuíno. Porque somos pessoas normais e estamos ali cheios de amor pelo que estamos a fazer.
Consideram-se parte fundamental da dinamização cultural da cidade?
-Sim [todos]
E sentem isso por parte de Coimbra?
Catarina – Eu penso que Coimbra interiorizou um bocadinho isso. Qualquer pessoa. quando fala da AAC, leva nessa ideia de AAC todo o contributo que cada organismo e secção dá a essa pluralidade. Não sei se existe a consciência clara de que isto é de facto um espaço único. Não sei se há essa consciência. Não é fácil de encontrar noutros contextos. E algo que é tão fácil de aceder. Entra ali, bate à porta do GEFAC e inscreve-se… Ou se inscreve num curso de iniciação e entra, ou num casting e entra. E não sei se há a consciência de que isso é de facto algo muito especial e que faz parte da realidade de Coimbra… Não sei é se há essa consciência tão clara.